30.4.13

É mais do que suficiente. Para que chores daqui a poucas horas, com raiva e arrependimento. A porta da varanda aberta, as cadeiras fora do sítio, o meu itunes em louco aleatório. As palavras, em português, vão ecoar na tua cabeça: um pesadelo que nunca imaginaste. E eu ali, já estendido na estrada vou fingir que morri. E talvez consiga tão bem ouvir a sirene: um pesadelo que nunca imaginei. É mais do que suficiente para substituir os cigarros que deixei de fumar, meu amor. 

 


20.4.13

Contra mim um ramo de oliveira. Contra mim três quartos no parlamento. Contra mim os restos do almoço. E os pobres a baterem-me à porta. E os novos a empunharem cravos. Contra mim a ponte sobre o Tejo e os barcos compenetrados. E os manueis descompensados. Contra mim os fogos e os apagados.

23.2.13

Para me teres triste, para me seres triste. Tens que entristecer, e depois triste, entristecer ainda. Encontrar  uma tristeza só tua muito parecida com a minha. Muito parecida. Bem triste. Depois, já mais triste, só uma coisa te restará. Para me teres triste, e assim te teres comigo, só faltará qualquer coisa que não sabes, que eu não sei. E depois, sim, realmente triste, não vais entender porque não podes. E esse pequena tristeza será igual à minha e, na melhor das hipóteses, manter-te-á vivo.
Passei de fotografia em fotografia num clique nervoso de séculos de corpos perfeitos e peitos em chamas. Encontrei num intervalo todas as razões para voltar à poesia. Não voltei. Todos os homens da cidade estão à janela, em roupa interior, a imaginar coisas que não se vão passar. Os cigarros fumam-se todos de enfiada. Como um beijo de namorados.

21.2.13

Eu rasgo a armadura com uns dentes de leão. Depois durmo, durmo, durmo. E como me apetece. Como te horroriza o peso da minha cabeça sob a almofada. Eu faço pão, eu faço sala, eu faço favor. E depois durmo, durmo, durmo. Até levito e olho para o chão.

14.2.13

As mãos dele sobre as velas e depois sobre a cara. Um tremor constante de morte eminente. As velas a acenderem-se com vontade de se apagarem. As mãos a tremerem com vontade de aceitar um destino qualquer. E depois tu, ali como eu a olhar, começaste numa tensão infantil. Os teus ombros a juntarem-se como quando tinhas cinco anos. A tua mãe mesmo ao lado impenetrável. As lágrimas correram-te pela cara e tu finalmente sem vergonha. Choraste tão tarde que eu quase me tinha esquecido dessa possibilidade. Não foi contudo essa a imagem que guardei, a tua comoção. Foram as mãos trémulas e as velas, umas sete, a disputarem todas as partículas de oxigénio.


10.2.13

A história mais longa de sempre. E o perfume da tua t-shirt. Uma garrafa de água a rolar pelo chão. O cão abandonado à porta de casa. Todos os santos num saco do lixo. Vou contar-te a história que não vai acabar. Vou tirar-te o sono e deixar a vela apagar-se. E lembrar, ah lembrar, como fomos jovens e ricos. O mais difícil vai ser escolher os livros que queremos guardar. E ainda mais difícil será prometer-te que volto. Talvez fique a olhar para o Tejo. Talvez fique a andar de metro, talvez fique a subir escadas em casas do séculos XVIII, talvez fique a chorar no cais das colunas. Tenho que beijar a minha irmã, a revolução que deixei em lume brando.
A história mais longa de sempre. E o som do saxofone do vizinho. Uma serigrafia sem valor comercial. O chapéu de robin dos bosques, uma caixa de preservativos, cadeiras de praia que nunca usámos.
Anda lá ver-me voar na airfrance. Anda lá ver-me sair daqui para sempre até que não.