23.2.13

Para me teres triste, para me seres triste. Tens que entristecer, e depois triste, entristecer ainda. Encontrar  uma tristeza só tua muito parecida com a minha. Muito parecida. Bem triste. Depois, já mais triste, só uma coisa te restará. Para me teres triste, e assim te teres comigo, só faltará qualquer coisa que não sabes, que eu não sei. E depois, sim, realmente triste, não vais entender porque não podes. E esse pequena tristeza será igual à minha e, na melhor das hipóteses, manter-te-á vivo.
Passei de fotografia em fotografia num clique nervoso de séculos de corpos perfeitos e peitos em chamas. Encontrei num intervalo todas as razões para voltar à poesia. Não voltei. Todos os homens da cidade estão à janela, em roupa interior, a imaginar coisas que não se vão passar. Os cigarros fumam-se todos de enfiada. Como um beijo de namorados.

21.2.13

Eu rasgo a armadura com uns dentes de leão. Depois durmo, durmo, durmo. E como me apetece. Como te horroriza o peso da minha cabeça sob a almofada. Eu faço pão, eu faço sala, eu faço favor. E depois durmo, durmo, durmo. Até levito e olho para o chão.

14.2.13

As mãos dele sobre as velas e depois sobre a cara. Um tremor constante de morte eminente. As velas a acenderem-se com vontade de se apagarem. As mãos a tremerem com vontade de aceitar um destino qualquer. E depois tu, ali como eu a olhar, começaste numa tensão infantil. Os teus ombros a juntarem-se como quando tinhas cinco anos. A tua mãe mesmo ao lado impenetrável. As lágrimas correram-te pela cara e tu finalmente sem vergonha. Choraste tão tarde que eu quase me tinha esquecido dessa possibilidade. Não foi contudo essa a imagem que guardei, a tua comoção. Foram as mãos trémulas e as velas, umas sete, a disputarem todas as partículas de oxigénio.


10.2.13

A história mais longa de sempre. E o perfume da tua t-shirt. Uma garrafa de água a rolar pelo chão. O cão abandonado à porta de casa. Todos os santos num saco do lixo. Vou contar-te a história que não vai acabar. Vou tirar-te o sono e deixar a vela apagar-se. E lembrar, ah lembrar, como fomos jovens e ricos. O mais difícil vai ser escolher os livros que queremos guardar. E ainda mais difícil será prometer-te que volto. Talvez fique a olhar para o Tejo. Talvez fique a andar de metro, talvez fique a subir escadas em casas do séculos XVIII, talvez fique a chorar no cais das colunas. Tenho que beijar a minha irmã, a revolução que deixei em lume brando.
A história mais longa de sempre. E o som do saxofone do vizinho. Uma serigrafia sem valor comercial. O chapéu de robin dos bosques, uma caixa de preservativos, cadeiras de praia que nunca usámos.
Anda lá ver-me voar na airfrance. Anda lá ver-me sair daqui para sempre até que não.