18.11.09

paris is burning

New York i love you but you're bringing me down.

13.11.09

nature boy

Vi o rapaz dar de comer aos leões com as duas mãos, direita e esquerda, em concha. E os braços a entrarem pelo boca dos leões até aos ombros. Quando o rapaz saiu de dentro dos leões deixou-se cair para trás. Não parecia cansado, nem feliz, nem um rapaz. Vi a cabeça tombar para a frente e para trás contra a parede e depois o corpo todo no chão. Nesse momento uma luz, talvez a virgem, iluminou o rapaz e os leões. E começaram a sair crianças da boca dos leões, como passageiros a sair de uma avião em queda. Vi o rapazinho levantar-se e recomeçar a dar de comer aos leões. Mas a crianças não paravam de sair. E o rapazinho tentava dar de comer aos leões. O resto nós vimos. E ninguém quer saber de um rapazinho morto de vergonha.

11.11.09

conta outra

Eu posso agarrar nas tuas palavras pelo pescoço, encostá-las à parede com tiques de. Afinal não.

1.11.09

ramalama (bang bang)

Eu tentei agarrar na arma e partir. No meu país as armas lêem-se. Como me lês neste instante. Não há mais do que isso. Quero ir ao teu país ver disparem-se as armas.

21.10.09

circus

Disseste que não entendias uma data. Um detalhe na cronologia. Foram dois segundos para se instalar a decepção. Como se uma dúvida, uma data, um momento da história traísse os nossos olhos. Já não queremos amanhã como antes.

4.10.09

alfonsina y el mar

Não me fales em espanhol. Não suporto. E pára com as mãos. Continua a haver um espaço entre nós. Não me chames Zara, não me chames Sara.

28.9.09

inverno

Transformaste-te lentamente no teu pai. Foi com o passar das estações. Não foi com a chuva. Mas assim que começaram a cair as primeiras folhas, transformaste-te lentamente no teu pai. E tu cada vez mais sagitário. Foi uma coisa muito estranha que se passou.

cantada

Numa nota que eu não consegui identificar. Chamaste-me com um ó. Não segurávamos copos e os perfumes já não cheiravam. Foi só o teu ó.

19.9.09

non dis non

Disseste-me tu não és um imperador, não penses nisso. Eu levantei-me olhei para o mapa, depois para a terra. E quando olhei para ti vi que não falavas de nós, nem de conquistas. Não usavas metáforas. Mas eu nunca fui um imperador. E a ideia pareceu-me a cada minuto mais clara.

9.9.09

clocks

Tu deixas-me uma palavra no ecrã. Sem barulho, sem música, sem alarme. Um veredicto para eu me entreter toda a tarde.

8.9.09

the reader

Sim, eu aceito que sejas crente. Sim, eu aceito que me queiras oferecer um anel e um copo de vinho. Sim, eu aceito deitar-me na cama sem te ver sem roupa. Sim, eu aceito decorar algumas frases. Sim, eu aceito não saber ler nem escrever. Nem escrever.

7.9.09

lamento della ninfa

Ele não desmancha o silêncio. Não canta não ruge. Nem se lança sobre o meu pescoço. Ámen.

j'ai tué ma mère

E depois esqueci-me do meu país. E enrolei a minha língua materna.

14.6.09

the simple story

Eu conheci-o, amei-o, matei-o, matei-me. E filmei tudo.

11.6.09

sacrifice

Um casaco com pêlo. Uma bicicleta. Ramos e folhas secas. Um animal. Fumo. E uma imagem do seu sexo.

1.6.09

les chansons d'amour

Deixa-me esquecer a última vez que vi um filme. E que achei que era eu a personagem principal.

água e mel

Eu fiquei a admirar-te da porta. Numa pose de filme. E tu num registo mais natural disseste vou-me casar.

25.5.09

escândalo

Tu faz-me as perguntas. Tu faz-me as perguntas e espalha as respostas.

24.5.09

ne me quitte pas

Nem eu, nem o telhado, nem o cão. Não vamos aguentar muito mais tempo. Escolhe-nos já.

18.5.09

india song

Só te percebi quando pus os óculos e tu, a três dimensões, falaste finalmente para mim. Como uma revelação. O futuro ali a mover-se na minha direcção. Em cores que excitam os mortos. E néons.

13.5.09

kalemba

Tu dás-me um abraço e eu vejo-te a triplicar. Molhas-me a cara com vodka e desmaias. Grito-te duas palavras. Ris-te. E voltas a fingir que desmaias. Empurram-nos para a frente. Gritas uma palavra. Queres desmaiar para sempre. E eu. Eu fecho os olhos para aguentares o meu peso morto.

11.5.09

my mistakes were made for you

No teu lugar pus uma mesa de centro. E agora já quase que não me lembro onde é que antes pousava o comando.

mio bien

Ele vai acordar em alto mar, em alto mar. E vai olhar à volta, e vai olhar à volta. Não se vai parecer, nada vai restar. E vai-se afundar, vai-se afundar.

7.5.09

une année sans lumière

Encontrei a tua sombra encostada à cómoda. Como se tivesse tentado abri-la. Levei-lhe um copo de água, mas a tua sombra não quis beber. Baixei os estores, puxei a cortina. Pus um cd para a animar. E por enquanto estamos assim. Ligo-te se houver novidades.

5.5.09

cry me a river

Muda, muda, muda. Killing me softly. Já.

4.5.09

contre toi

Eu era o teu maior fã. O teu maior fã. Lia os teus livros, via os teus desfiles, dançava a tua música, seguia-te pela televisão. Eu era o teu maior fã. Agitava cartazes, mandava flores, despia-me. Às vezes faltava ao trabalho. Eu colava posters e criava blogues. E mesmo assim deixei-te na mala do carro.

2.5.09

oblivion soave

Eu sou o último homem. Eu sou o último cão. Fazes-me pena.

Chama-se

Chama-se a sétima maravilha. Nem uma oitava acima, nem uma oitava abaixo.

un autre homme

Os meus amigos têm piedade de mim como de um cão. Brincam comigo e olham-me com carinho. Esquecem-se do meu aniversário. Perguntam-me se me sinto melhor. Os meus amigos não me põem em primeiro lugar, nem em segundo. Oferecem-me cigarros e cuidados intensivos. Não se atrevem a perguntar-me sobre a minha infância. Os meus amigos emprestam-me dinheiro mesmo quando eu não preciso. E brincam comigo e olham-me com carinho.

27.4.09

mes copains

Ouves os tiros da caça enjoada. Levas a chávena à boca enjoada. Sentas-te a olhar o lago enjoada. Enjoa-te não entender esta língua. E não perceber a cor dos móveis, nem conhecer as pessoas dos retratos.

26.4.09

Chama-se

Chama-se política da casa. É o preço a pagar.

europa

Sorriso à prova de gelo. Casaco de peles. Violino. Chá, chocolate, café. Azul claro, amarelo claro. Joelhos flectidos. Mantas vermelhas. Lagos. Receitas de bolos. Mel. Morrer aos quarenta anos. Janelas. Copos de pé alto. Chão de madeira. Ossos frágeis. Plantas pela casa. Dentes brancos. Eu, europeu.

25.4.09

muda de vida

Já me desfiz do colchão. Já me desfiz. Lamento muito.

back to black

E depois abraçou a serpente com o braço direito. Na outra, um copo cheio. Muitos risos, muitos espamos. A saia sempre a subir. Os olhos a caírem para o chão de vergonha. No dia seguinte, tinha uma renda a tapar-lhe a boca e uma vela no meio das mãos.

23.4.09

you make me like charity

Foi assim uma espécie da paixão à primeira vista. É tão bom, é tão bom. Ouvem-se musiquinhas. É tão bom. E depois anda-se de carro mais depressa. Foi mesmo uma paixão à primeira vista. Daquelas em que esquecemos a hora de ir para casa. E que temos uma família. É que ainda estamos vivas. Ainda estamos vivas. É tão triste.

22.4.09

a postcard to nina

O noivo acabou por cheirar o ramo de margaridas. E no escuro experimentou a liga. E no escuro experimentou suster a respiração. Uma encenação pouco credível. Passou a mão pela grinalda, passou a mão pela cama. Lamentou-se. E começou uma carta. Com cidade, data e hora. Como deve ser.

21.4.09

over and over

O noivo sentiu um tremor no olho esquerdo. E uma dor aguda na cabeça. O cérebro em fogo de artifício. E uma falta de ar. O noivo apertou o fato, apertou as mãos, apertou a mãe. No momento em que devia dizer as palavras que tinha ensaiado, o noivo preferiu deitar-se no chão. E dali já se ouviam saltos altos a entrar ou a sair. Ou a correr. O noivo não percebeu bem.

20.4.09

anos dourados

Ela não sabe se há-de cantar, se há-de casar-se, se há-de enterrar-se. E o que foi isso dos anos dourados.

Chama-se

Chama-se má educação. É como atropelar várias vezes a mesma pessoa.

19.4.09

Chama-se

Chama-se convite. Sim.

18.4.09

bird's lament

Percebi que baixas os olhos quando preferes ouvir. E então eu esforço-me por cantar. Esforço-me por te contar. Mas tu não fazes perguntas. E a minha voz faz-me virgem.

16.4.09

you should be

Afinal não se condizem os cortinados e as almofadas. Afinal a cama já não pode ser de madeira verdadeira. E os tapetes ficam para depois. Afinal não se limpam as manchas da parede. E o sangue por toda a parte. Deixamos o leão dormir na sala?

14.4.09

little more blue

Ele conhece seis pessoas. Dessas seis pessoas há uma que está a morrer. Duas estão de férias. Outra vive no estrangeiro há alguns anos. Das duas que sobram uma não atende o telemóvel e a outra não tem telemóvel. Por onde andará essa que não tem telemóvel?

porque me olhas assim

Tocou-lhe no ombro, sentiu um osso frágil e levantou os olhos. Já não tenho medo do teu esqueleto.

10.4.09

that's not my name

As crianças passearam pela sala em poses de deuses gregos. Ouviram-se rugidos de quarenta graus de febre. As crianças cantaram umas para as outras.

6.4.09

Chama-se

Chama-se perfil. É dar a outra face.

5.4.09

the fear

Sabe que não está mais ninguém. E não consegue adormecer. Sabe que pode fazer tudo, não está mais ninguém. O tecto do quarto são flashes e ecos. E os pés a enterrarem-se no chão que não existe na cama. E não consegue adormecer. Só flashes e ecos. E a cabeça a rodar entre as mãos. Só fracos e ecos. Sabe que não está mais ninguém, mas não consegue adormecer.

4.4.09

him

Ela não precisa dela, não precisa dela, não precisa dela. Ela só precisa de se convencer.

2.4.09

pur ti miro

Ele não faz ideia. Não tem ideia. Não se lembra. Não penso. Ele não se alimenta de música clássica. Si, si, si, si, si.

a casa

Primeiro arrastas-me até ao centro. Depois puxas-me gaveta a gaveta. Lixas. Pintas. Sopras-me. Um abraço para me pôr em cima do tapete. E uma jarra de flores que não te dei.

31.3.09

not fair

Podias adormecer de vestido em cima da cama. E deixar as rendas caírem-te da boca como saliva. E os olhos revirarem-se como pérolas. Mas não vamos ficar aqui muito tempo. Temos lantejoulas a saltarem-nos dos poros, meio vivas, meio mortas. Não vamos ficar aqui muito tempo. Só o tempo de engolir os teus saltos altos e os meus botões de punho.

28.3.09

she

E depois ela levantou os braços a preparar um beijo. Ele deixou-se estar imóvel com a faca na mão. Ou te corto a boca ou me enterras no quarto.

21.3.09

breaking the waves

Guardaram as toalhas, os tapetes, os candeeiros de pé. E os quadros. E com eles pedaços de paredes agarrados ao bordado da camisa. Guardaram como um segredo. Como se guarda. Vigilantes. Guardaram os armários, os mosaicos, as torneiras. E as portas e as escadas do prédio. Sob o olhar atento. Vigilantes.

19.3.09

canção de lisboa

Tomaram-me de assalto a casa. E deixaram-me o mp3 em pausa.

17.3.09

live

Havia uma estante ao fundo, cadeiras, uma porta para a rua. Papéis espalhados, livros e o teu braço em movimentos repetitivos: música. Seis minutos precisos. O queixo a encostar-se ao ombro e as paredes a vibrarem com aplausos. E depois o suor a humedecer o carpete.

11.3.09

l'amant

Sangraram-te palavras da boca. Eu não te quero ver apodrecer noutra língua.

10.3.09

lorelei

E quando devolver pela primeira vez a saliva vai pensar duas vezes se.

3.3.09

fairytale

E depois ele soprou uma voz, com risos a perfurarem-nos as cabeças. Muitos risos e uma voz muito doce. E mel a escorrer-lhe pela camisa. Nós não podíamos ser mais felizes. Não podíamos ser mais nem maiores.

2.3.09

intervention

Não te cansas de a ouvir dizer palavras de ordem. Mas não entendes inglês.

21.2.09

ma jeunesse

Largou-a em cima da mesa junto à porta e saiu. Vai deixar as camas desfeitas. Vai deixá-la desfeita. Quer trocar de lugar, trocar de bilhete, trocar de roupa. Vai desfazer-se dentro de um comboio.

11.2.09

for no one

Não se sente a falta dos pais, dos avós, dos irmãos. Não se sente a falta do amor. Não se sente a falta de casa, do carro, da cama. Não se sente a falta de leões a atravessarem a sala em direcção a nós, nem de serpentes junto à porta da entrada.

10.2.09

meeting place

E depois ele olhou e tirou os óculos de sol e depois ele despiu as calças e depois ele beijou um extintor e depois ele deixou-se ficar a olhar para amanhã.

6.2.09

mariazinha

E depois aterrava nos braços engessados do seu amor.

5.2.09

let it die

Sempre que fechas os olhos vês nítida a imagem do teu pai a adormecer sobre as pedras. E depois sem muito esforço consegues ouvir-lhe os ossos a estalarem como palmas no teatro.

4.2.09

in a manner of speaking

E depois ele disse lembra-te que eu não vejo e que mal oiço e que todas as coisas que escrevo aparecem numa língua que eu não entendo.

1.2.09

to america

Ele disse que a timidez passou no dia em que as tropas chegaram. Porque desapareceu tudo. E se não há nada para guardar, não há razão para. Ele disse que viu as tropas comerem o colchão e os tacos. Ou alguma coisa parecida com isso.

31.1.09

Chama-se

Chama-se abreviar. E dá vontade de não fazer outra coisa.

25.1.09

innocence

As crianças procuraram-no entre os leões. Chamaram-no pelo nome. E pelo nome de família. Não o encontraram. Arrumaram as caixas de plástico nas mochilas e as garrafas de água vazias. Chegaram a casa uma hora depois do previsto.

sin city

E depois ele atirava o corpo contra o sofá e ria-se. A cabeça batia na parede, o braço batia nela, o pé batia na mesa. E o riso espalhava-se como um fumo. A arma deixou-se estar. Pousada na mesa até a bola de espelhos parar.

18.1.09

má educação

E depois ele entornava um copo e os cotovelos falhavam a mesa. E nas legendas liam-se obscenidades. Ele olhava para o fundo da sala, para o chão, para o ventilador. E enquanto a mão esquerda procurava qualquer coisa junto à garganta, a direita arrancava a toalha da mesa como um cumprimento.

17.1.09

holiday

Detém-se o riso e ficas à espera dos restos. Atento. Não sobra nada do meu riso.

14.1.09

blindness

Tu pensas por mim. A única coisa que eu faço é tocar nos móveis por instinto.

11.1.09

ne touche pas

Os animais vão instalar-se lentamente na sala. Sobre o tapete, nas cadeiras, numa mesa baixa. Rugidos suaves a fazer estalar a talha dourada. Primeiro os leões, depois os leopardos, as onças e os linces. Olhos lentos a seguir os movimentos do copos e do gelo. As garras e os dentes a perderem-se no fumo. E um brinde.

10.1.09

last goodbye

Quando te depositei no jardim tive a sensação de que não estavas morto. Só te faltava o ar. Talvez da surpresa do meu abraço.

8.1.09

to be lonely

Obrigado. Muito obrigado. Já não me levavam a casa há muitos anos. Devo esperar que regressem?

6.1.09

Chama-se

Chama-se sair ileso. É ver as coisas pelo lado positivo.

my body is a cage

Ele perguntou-lhe o que é que me fizeste? o que é que me fizeste? Ela mostrou-lhe o isqueiro e despiu-lhe o casaco em chamas.

4.1.09

one day

Ele não vai voltar a escrever enquanto os leões não atravessarem o caderno e os abutres não levarem os restos da gazela.

men

E depois vieram os homens aos gritos como verdadeiros homens. Aos murros às paredes e aos carros. Quando lhe cuspiram sentiu qualquer coisa como culpa. E os homens foram embora aos gritos como verdadeiros homens.

3.1.09

birthday

Como te esqueceste do meu aniversário vou esquecer-me do teu. E como não estiveste aqui vou tentar não estar aí. Na verdade não estávamos juntos quando nascemos.