25.4.11

judas

Entrego-te os lábios como dois documentos copiados à pressa. Praticamente iguais. E se os beijos nascem no pescoço como um esforço industrial não é por que eu queira.
Traduzo-te o formulário automaticamente e desisto antes do terceiro parágrafo. Levo as mãos aos olhos como se estivesse cansado, mas acabei de acordar. Deixo-me afundar na almofada como uma secretária dos anos setenta. Levo as mãos ao peito e não encontro o meu nome. Tu não percebes ou talvez percebas, mas tenho uma malha nos collants e não me posso sequer levantar para ir à casa de banho. Vou ficar na cama até terminar o meu turno e tu - chefe exemplar - vais-me desculpar a preguiça, vais-me pedir mais beijos em cadeia. Nada disto seria importante se não estivéssemos tão perto do final do mês.

23.4.11

suburbs

Eu fumo enquanto tu trabalhas. Cigarro atrás de cigarro. Imagino-te a bandeja em equilíbrio na mão direita e o sorriso assimétrico. Teclo todas as coisas que me vêm à cabeça e levo outro cigarro à boca. Encurto o tempo enquanto tu trabalhas e não te preparo o jantar. Ainda conto receber-te um dia em casa com pompa e circunstância, mas tenho preguiça. Esperar por ti enquanto trabalhas dá-me tanta preguiça que quando tu chegas só te sei esperar. As minhas pernas balançam, a mesa treme, a orquídea ressente-se. O cortinado queimado por outro cigarro involuntário quase não se mexe. Espero que nunca repares no buraco do cortinado. De qualquer modo, hás-de estar ocupado com o teu trabalho e eu com a minha dignidade. Já sei controlar a ansiedade dos últimos minutos antes da hora certa. Deixo-me estar como aquelas pessoas que sabem mesmo deixar-se estar e fico mais calmo. E quando tu chegas vês-me quase morto. Só eu sei que se passaram tantas coisas enquanto tu trabalhavas.