31.12.08
open heart zoo
O homem percebeu que o leão não ia obedecer. O leão levantou uma pata e seguiu o homem com os olhos. Avançou e recuou na medida em que o homem recuou e avançou. As crianças gritaram. O homem levantou o chicote. As crianças foram adormecendo. O homem acabou por desistir de um dos braços.
30.12.08
29.12.08
down the line
Havia uma cama, paredes, grades, um jardim e muros. E eu só me lembro com rigor do teu cabelo loiro.
heartbeats
E eu disse-te que não te deixo aí para sempre. Que te trago. Mas que primeiro. Vais ter que acordar ou dormir muito, não sei bem. Vais ter que entender que primeiro. Vais ter que entender. A tua casa não fica muito longe.
slow
E olhaste para a janela. Não através da janela. Para a janela mesmo. Começaste a falar do mecanismo. De como abre, de como fecha. Rapidamente começaste falar de mim e dos teus pais. E de como não vais sair daí tão depressa. Não começaste mais nada. Os lençóis brancos, a bandeja cheia, os estores sujos. Alguém a entrar no quarto e a deixar qualquer coisa. Viraste a cabeça para mim e já me encontraste noutra posição. Um passáro bateu as asas no parapeito da janela e olhámos os dois. Pensei em levar-te cds hoje. Mas talvez não queiras saber porque estás aí.
28.12.08
26.12.08
sozinho
Desliga a mtv. Vais ficar aqui sozinho. Não vou soltar o cabelo, nem escolher anéis, nem trocar de roupa. Vou fechar as janelas e trancar a porta. E sair. Não cantes, nem dances. Não me prometas. Vais ficar aqui sozinho.
25.12.08
house of cards
Vai ser vê-lo deitado com olhos de sismo e o chão a desaparecer com ironia. Vai ser fazer um laço e desfazê-lo até à perfeição. Vai ser insistir em levar as mãos à cara. Vai ser uma palavra a colapsar no meio de uma frase. E minutos de pessoas a deixarem-se ficar pela rua.
22.12.08
womenizer
Viu-a puxar as meias e baixar a saia na rua dos prédios novos. Recompor os ganchos, limpar o pó. Esconder o pescoço meio comido e o dicionário de inglês desfeito em dois. Viu-a deixar a mão prender-se nas grades. Viu-a olhar os andaimes e o lixo. E nada mais. O nevoeiro em que ela desapareceu foi inventado, assim como as flores que nunca prendeu no cabelo ou a música que não cantava quando a viram pela última vez.
verdes anos
Tira-me as palavras da boca e o peso dos ombros. Tira-me o calor das mãos e o futuro dos olhos.
17.12.08
14.12.08
entre aspas
His son is his prize, he tell a few lies
He's got his father's eyes, it's in his father's eyes
And he thinks in his mind that he's just getting by
But he's a compromise, he's just a compromising fool
I've been, I've been silent.
Fools, The Dodos
He's got his father's eyes, it's in his father's eyes
And he thinks in his mind that he's just getting by
But he's a compromise, he's just a compromising fool
I've been, I've been silent.
Fools, The Dodos
13.12.08
no more
Não se responde com uma pedra que se arranca do chão nem com dois bocados de papel nem com o corpo atirado pela força de uma massa
7.12.08
equinox
Não vais deixar que as paredes caiam sobre si mesmas como um acidente provocado. não vais deixar que a noite caia sobre si mesma e que sobre ti. vamos ficar quietos e ouvir os passos. vamos ficar quietos a deixar que a luz dos carros se apague. Respira aqui para dentro.
6.12.08
sad song
Vai levantar a mão em vez do punho em vez de apunhalar: uma música. Vai acreditar que é uma maneira de ter paz.
4.12.08
familiar feelings
Tens os olhos do teu pai. Tens os olhos da tua mãe. Tens os olhos do teu irmão. Tens os olhos do teu primo. Tens os olhos da tua tia. Tens mesmo os olhos do teu avô. Agora dorme.
are you ready for the blackout?
Não te viu não reparou que estavas no palco nem para quem cantavas nem para quem sorrias. Não se percebe bem porquê mas não deu pela tua presença. Talvez tenhas que cantar mais alto despir peças de roupa dizer o seu nome. Ou o silêncio talvez o silêncio resulte. Ou uma morte prematura. Ou um blackout.
1.12.08
30.11.08
virgens suicidas
Se ao menos pudesse morrer com o dia e não sentir culpa por entardecer tão rapidamente
29.11.08
rehab
Há-de conseguir arrancar pequenos diamantes dos ossos e com cuidados cirúrgicos oferecer-lhe uma jóia.
music
E em vez de amanhã ele dizia agora é agora. Depois voltava-se e ria-se. Depois largava o olhar nas mãos e só se ouviam. E uma orquestra escorria como saliva.
26.11.08
22.11.08
é pr'amanhã
Vai ser ontem que se vai sentar que vai esperar que vai ser hoje. vai ser ontem que vai sorrir que se vai lembrar que vai ser hoje. vai ser ontem que vai de directa que é uma insónia que é uma maneira de ser hoje.
21.11.08
ouvi dizer
há-de encontrar as palavras certas e com elas aliviar-lhe a queda. não vão haver feridos nem mortos nem notícias. vai ouvir-se um sorriso pelo altifalante sinal de ordem restaurada. há-de encontrar as palavras certas e distribui-las pelas pessoas. não vão haver ricos nem pobres nem religiosos. vai ouvir-se uma rádio local. e mais nada
20.11.08
coeurs
Vamos ler a história antes de nos movermos. o que dizemos o que nos dizemos o que fazemos o que nos fazemos. vamos seguir o guião com rigor vamos reparar nos detalhes como erguemos a cabeça como erguemos o machado como erguemos as paredes da casa. não vamos saber o que dizem as legendas porque não entendemos a língua. vai ser preciso confiar no nexo. vamos ler a história em voz alta antes do instante crucial da imobilidade porque a partir daí
19.11.08
17.11.08
a pianista
Nada disso vai passar. vai ter guitarras eléctricas presas no externo. vai ter heróis a resistir nos ombros e muralhas a erguerem-se espontaneamente como flores quando já não houver o que defender. vai ter armaduras nos dedos como jóias. e na garganta cordas a vibrar em silêncio.
chamar a música
Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece.
16.11.08
os idiotas
Agora vamos deitar-nos no chão e ficar a ouvir as paredes a caírem lentamente. vamos ficar imóveis a ver o céu aparecer e a rua e as pessoas e o frio a cortar-nos as caras. vamos respirar debaixo dos escombros e prometer
15.11.08
14.11.08
future plans
Vamos atirar pedras. levantar o chão. vamos descalçar-nos e atirar palavras. os textos que não preparámos. vamos esconder as caras e ouvir as explosões de juventude que não preparámos. vamos abraçar-nos como muros como cordas e desfazer-nos com risos. vamos disparar vamos rebentar vamos rasgar vamos perdoar não vamos perdoar não vamos perdoar
13.11.08
crash
Não havia outra maneira de matar os quatro minutos de música não havia outra maneira de fazer um mau playback ou cantar por cima da vocalista não havia outra maneira de rebentar as colunas os braços e as pernas e mergulhar no silêncio a que os desastres obrigam?
12.11.08
fanny & alexander
Vão seguir todos os passos com cuidado e segurar as folhas como um mapa não se vão encontrar não se vão tocar nem se vão supor ali e vão seguir todos os passos um do outro com cuidado e segurar as folhas como um mapa dentro de um labirinto dentro de um labirinto dentro de um labirinto
10.11.08
paranoid park
Agora é só deixar o dia levá-lo é só deixar a noite levá-lo é só deixar a música levá-lo é só deixar o corpo levá-lo é só deixar alguém levá-lo é só deixar o medo levá-lo é só deixar a pena levá-lo é só deixar a intuição levá-lo é só deixar o irmão levá-lo é só deixar o carro levá-lo é só deixar
9.11.08
8.11.08
army of me
Vai pousar a cabeça sobre a arma e fazer disparar palavras em ecos vai repousar e quando estalar a guerra o seu corpo vai ser a primeira perda só depois se perderá a memória e numa pedra os seus dois nomes
ganhar a vida
Há-de erguer o machado e com ele desistir do silêncio e com ele desistir da palavra e com ela desistir do corpo e com ele desistir da intuição e com ela desistir de si
7.11.08
the time is now
Vai contar minutos vai ficar à espera tanto tempo que as pessoas vão parecer actores e os seus olhos uma câmara vai contar minutos e depois segundos vai inquietar-se com a ideia de que não existe imobilidade então se não existe porque demora tanto o tempo a passar vai contar minutos e pessoas e actores e os seus olhos uma câmara
6.11.08
apocalypse now
Vai estabelecer-se um diálogo como na guerra surdo mesmo surdo vão ouvir-se palavras tentativas de palavras e desistências de palavras não se vai encontrar paz nem vitória e vão rebentar frases e escorrer sílabas pelas suas bocas que vão desaparecer no fumo e desfazerem-se no fim mesmo que não se escreva uma derrota
5.11.08
4.11.08
saraband
Vamos pegar em duas ou três palavras e começar uma conversa vamos mudando de língua e introduzindo silêncios ele vai ouvir ele vai ouvir ele vai falar os olhares vão caindo para a mesa como nódoas os cotovelos vão matá-los e vão ser precisos novos olhares vamos prolongar a conversa com movimentos os códigos que já conhecemos e vai tudo parecer mais fácil vamos ouvir e vamos falar e vamos olhar
31.10.08
fala com ela
Não se vai esquecer de escrever todos os pormenores dessa experiência sobrenatural se foi frio se foi calor não se vai esquecer com certeza das cores que lhe vão passar pelos olhos nem dos sons se os houver dizem que se ouvem coros que é uma espécie de fim que não se vai esquecer
30.10.08
exit music
Há-de adormecer sem esforço sem ser preciso forçar os olhos nem apagar as luzes há-de adormecer calmamente talvez oiça uma música ou invente uma melodia para ter qualquer coisa a que se agarrar uma criação de última hora há-de adormecer no momento em que chegarem como tropas pequenas porções de memória
28.10.08
27.10.08
sol de inverno
Chove ininterruptamente desde Janeiro. As coisas molhadas às vezes parecem coisas secas porque não chove sempre com a mesma intensidade. Há alguma coisa a querer sair do chão, mas não se percebe bem o quê. Pequenas explosões na calçada aliviam-lhes as nucas, os pescoços e os escombros. Há impermeáveis a escorrer pela avenida sem pessoas dentro. Alguns carros levam impermeáveis presos nas rodas. As pessoas desistem de os usar. Talvez não aguentem tanto mau tempo. É muito tempo e muita chuva. Chove desde Janeiro.
dirty dancing
Atenção. Pense como coloca as mãos. Meça a distância entre um pé e outro. E o ângulo do cotovelo dobrado, claro. Não se esqueça de escolher a mão mais forte para segurar o copo. Pode passar alguém de repente. Garanta que tem um ou dois movimentos preparados para o silêncio. Os olhos são muito importantes. Não são para mais nada, são para deslizar.
25.10.08
j'aimerais partager le printemps avec quelqu'un
Ele vai pegar na câmara com cuidado. Como se nunca tivesse visto um filme suspenso entre os dedos. A ponte, o rio, as casas: um homem. Quando já for tarde, vai sorrir. Importa-se que o filme? Os planos mais apertados. A cara, o cabelo, os olhos. E os planos mais apertados. Não tinha planeado isto. Não se importa mesmo que o filme?
23.10.08
entre aspas
"And then I'll take you home
Where we live and where we roam
On the bed and on the phone
Don't stop, cause every place you've known
Is a robot zone"
IS A ROBOT, dEUS
Where we live and where we roam
On the bed and on the phone
Don't stop, cause every place you've known
Is a robot zone"
IS A ROBOT, dEUS
cinema paraíso
Ele vai conseguir o último bilhete. O último. Uma fila enorme e ele vai conseguir o último bilhete. Tem que jogar no Euromilhões é o que vai ouvir na bilheteira. Vai sentir-se escolhido. Uma bola de luz no chão. Escadas, cadeiras, quarta fila. Uma modelo vai hesitar entre sentar-se ao pé dele ou. Vai preferir outro lugar. Tem que jogar no Euromilhões parece deixa de um filme francês. Jovem, fresco, misterioso. A modelo não lhe vai parecer bonita: uma sombra. A luz mais baixa. A perna cruzada sobre o vazio do corredor. Foi o último bilhete e ele vai ficar milionário.
21.10.08
a carta
Ele vai escolher um lugar sem pressa. Olhar à volta. Desconfiado. Um ou dois movimentos mecânicos. E vai ficar desiludido com a falta de naturalidade. Sempre a mesma coisa. Ninguém cruza e descruza as pernas em tão pouco tempo. A agenda em cima da mesa. Novembro cheio de desenhos feitos quando Novembro ainda estava longe. Não precisa de Novembro. Vai lamentar a falta de tempo para estar com os amigos. E rir-se sem se aperceber. Vai pensar em escrever uma carta. Mas para quem. Mas para quem. Máquina, câmara, blog, mp3. E a carta vai continuar a parecer uma boa ideia.
20.10.08
destruir depois de ler
Cartas regulares para quatro mulheres. Dos 12 aos 17. Intervalos, desistências, reestruturações do discurso. Nunca a palavra "rua". Ou estrada ou quinta ou noutra língua. Entretanto, os bilhetes. Os curtos e os longos. Muitas muitas páginas. Bricolage até aos 15. Perfume nunca. Folhas coloridas nunca. Selos ao acaso. Postais intactos, nunca vistos.
Muito fogo.
Muito fogo.
17.10.08
16.10.08
15.10.08
telepatia
Não foi preciso muito para perceber que não havia razões para instalar o programa. Aritmética simples. Arritmia certa.
48
A mão reconhece a geografia da cara. Não encontra a boca. E agarra numa caneta. Ainda te apetece dizer alguma coisa? Não, não. Deixa estar. Deixa estar como? Vamos ficar a olhar. Vamos ficar a olhar. Acho que a caneta não serve para nada. Pois não. Tens câmara?
14.10.08
telepatia
A câmara esta desligada há mais de um mês. Não chegou a funcionar. Dez euros. Pouparam-se muitas desilusões.
13.10.08
12.10.08
Chama-se
Chama-se previsão. É quando uma pessoa faz tudo o que pode fazer antes de ver alguma coisa.
11.10.08
Chama-se
Chama-se ver a luz. E isso não significa nada. Pode ser apenas abrir a porta do frigorífico.
10.10.08
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