27.12.11

Os cães ladram ainda mais alto,
as ondas chegam ainda mais longe,
os mortos enterram-se ainda mais fundo,
as fotografias duram uma eternidade.

26.12.11

Ouve a minha música. Estremece.
Deixa que o sismo nos separe.
Eu deste lado, tu desse. A trautear.
Deixa que um cisma, deixa que um cisne.
Eu ateu, tu entretido.
E a minha música sem parar.
Nós sabemos que se tu fores nessa direcção
e insistires nessa mesma direcção
e a certo ponto, quando já cansado,
não souberes se vais na direcção correcta,
seguires a caminhar,
nós sabemos que te vais sentar
e que vais chorar.
E será só isso por muitos anos de vida.

18.12.11

Deixa-me sair de casa e entrar no teatro. Sabes que todos os passos me custam. E os óculos de sol já não me ajudam como antes. Deixa-me levar os cigarros comigo para ocupar aos mãos. Eu sei que tudo vai ser mais fácil na plateia ou no palco. Eu conheço as regras. Deixa-me ficar lá por lá. Não quero dormir mais contigo. Pelo menos, se for de verdade.

17.12.11

Eu queria poder cantar uma ópera agora. Enquanto percorres os teus emails com cliques histéricos. Talvez uma nota muito aguda, muito aguda libertasse, romanticamente, a melancolia de que evitei falar-te enquanto esperávamos pela conta ao jantar.

24.10.11

Tu mal disseste. Mal me olhaste. Eu acendi o cigarro uma vez e outra e outra. E nem o barulho das minhas botas nas folhas secas, nem a minha gargalhada eficaz. Quando toda a gente saiu do país e ficámos só nós a poucos metros um do outro tu viraste a cabeça a fingir que procuravas alguém. Eu ainda ensaiei uma frase para te dizer, mas o meu corpo que já estava em modo de pressão nuclear explodiu. E todas as cartas que trocámos (versões impressas dos nossos emails), todos as fotografias, todas as minhas economias de meses, todas as músicas que me deste a conhecer saíram da minha cabeça, epicentro do desespero. A uma velocidade que te teria matado, não estivesses tu já de joelhos nesse momento a chorar o fim.

25.8.11

Em poucas horas verei o que me resta do mundo. O Japão e o Congo já vi em cartões postais. Em poucas horas fica tudo resolvido. Acabo com a guerra que nos tem atormentado. Se sobreviver ao massacre, em poucas horas.

21.8.11

Eu não fiz a universidade. Nem ela me fez a mim. Só no médio oriente conheci educação superior. E pouco a pouco, uma vaidade, uma vaidade nova cresceu dentro de mim. A minha auto-estima foi petrificando e o meu ego apoiou o queixo na mão direita a olhar o infinito. Resta saber como vou arrastar a escultura até ao aeroporto (e quando esta ideia me atravessa o espírito, um escritor americano senta-se na minha mesa para discutir o Messias). A educação superior no médio oriente não me faz duvidar da existência de deus.

19.7.11

Ofereci-te um animal. O meu pai, a minha mãe, o meu irmão.Tinha-lhes ensinado a amar-te. Tinha-lhes ensinado os teus horários. Mas eles não se souberam comportar. Rasgaram os sofás, exigiram-te desculpas. Nem te devem ter lambido os pés. Estas fotografias que tenho nas mãos agoniam-me. Os destroços da tua cara beliscada demasiadas vezes, o teu cabelo louro queimado, a tua melhor mão - a esquerda - pendurada por dois tendões. Tudo isto me choca como te deve ter chocado a ti no instante em que eles te cercaram antes do ataque. Se te sossega, quero saibas que os abati e que finalmente vivo sozinho.

11.7.11

Não consegues dizer essas palavras sem que seja no escuro. Não consegues - porque facas -que sejamos testemunhas. Não consegues porque estás cego.

3.7.11

henry lee

Nós somos de ideias fixas. Agarramo-nos pelos cabelos até sangrar. Estalamos os ossos sem piedade. Abrimos as garrafas com os dentes. Fumamos mais do que três cigarros de seguida. Esmurramos-nos com beijos.

29.6.11

Continuo a não perceber duas camas de hotel separadas.
Não há razão para ficares aí na tua casa.
Continuo a beijar-te a 4003 km de distância.

25.6.11

escândalo

Talvez já nem me lembre de como os olhos se transformam em boca e a boca em pescoço. Tenho uma ideia vaga. Mas sinto o teu perfume asiático. E consigo ver-te despir as calças em dois movimentos rápidos. E o teu corpo nu a explodir.

12.6.11

Não tem memória de nada. Lembra-se que estava muito quente, muito húmido e lembra-se do cheiro a menta barata. O resto aconteceu com todas as pequenas actividades do pensamento empenhadas noutra coisa que não aquele corpo. Agora sente-se ainda mais virgem.

8.6.11

Não vás buscar a espingarda para calar os passarinhos. É de madrugada e as nossas pernas musculadas ainda deviam estar entrelaçadas.

7.6.11

Assim se partiu tudo como se houvesse um machado louco nas nossas palavras. Não se viram destroços, nem relíquias quebradas ao meio. Não se viu nada. E nem houve nevoeiro ou poeira a descortinar a desgraça com poesia. Foi só assim um silêncio, uma escuridão a eclipsar-nos.
O desenho das tuas palavras a traduzir o teu corpo solteiro no meu ecrã. O meu corpo solteiro a amparar-se na queda. A sentir os cuidados das mães e dos pais, dos irmãos, dos melhores amigos e de outros homens que não conheço.
E só ao fim de algumas horas vieram as lágrimas atrasadíssimas como se os olhos não tivessem sido avisados da babárie. Só depois do sexo se chorou o sexo. E pela madrugada, anúnicos de vendas.
Assim se partiu tudo com pena, com honra, com alguma dignidade.
Assim se chegou àquela noite. Não, não foi um fim. Ambos sabemos que não foi nada disso. Ainda podemos celebrar as manhãs que passaremos a acordar-nos com suavidade.
Mas assim como se passaram as coisas parece que se partiu tudo.

1.6.11

Não me entretanhas com o fim. Nós já nos beijámos em toda a parte e em toda a parte já nos escusámos também. E prometemo-nos luxo e senso comum. E saudades. Não sei se te espere sentado ou junto à porta com uma faca de cozinha. Só te quero assustar. Não me entretanhas com o fim porque já não durmo há meses e preciso de descansar.

play a sound to me

Eu sei que não me ouves aqui num buraco, numa rua, num caos na Europa. Mas queria tanto dar-te uma novidade e não a tenho. Consigo ver-te daqui dormir num ritmo de sono profundo de solteiro. Sem medo, sem justiça. Irresistível. Então eu deixo cair a estante de livros, tu abres os olhos com o estrondo e o teu corpo a acordar num susto sossega-me. Estás vivo e és mesmo tu e sou mesmo eu. Já nem há nada entre nós: milhões de pessoas e montanhas e lagos e aviões a voar em simultâneo. Desculpo-me, não te queria ter-te acordado, mas tu sabes que eu não gosto de dormir deste lado da cama.

27.5.11

Os dois homens passaram e olharam alternadamente para mim. As suas mãos tocaram-se por segundos e depois a mão de um bateu na nádega do outro por acaso. Vi-os depois em câmara lenta tropeçar neles próprios e desfazerem-se em risos.

24.5.11

Dos dardos e dos laços
que mastiguei
só se dirá fome.
E mais eco se fará
na medida do corpo
estático catedral.

eh eh (nothing else i can say)

Não chegámos a ir à Provence. E estávamos tão perto. Dei mais voltas naquela casa a matar tempo que eu sei lá. E hoje já não há casa, pelo menos para nós. Emigrámos. Hoje até já perdemos as fotografias com os assaltos sucessivos com que tu fizeste questão de colaborar . Hoje se não for eu a escrever poemas e a editar filmes, se não for eu a ligar-te, nem te lembras. Hoje entendo a minha mãe e só tenho 29 anos. Porque no fim, não restou nada. E eu nem sequer fui à Provence.

you and i

Só preciso que me pegues na mão com cuidado e que me confies o anel que era da tua mãe. Eu vou apertar a minha cruz no peito com a mão que restar e depois largar e depois levá-la à boca surpresa. E só depois preparamos um beijo curto. Só preciso que me esperes no aeroporto com uma vontade de meses e que me leves a mão às coxas. Eu vou tirar os meus phones e com a mão que restar bater-te na cara com ironia a dizer és mauzinho. E só depois preparamos uma estadia muito longa.

electric chapel

Eu vejo os fantasmas a passar aqui em casa. Mas não tenho medo. Não me aterrorizo, não grito, não mordo os lábios, não esfrego os olhos, não me olho ao espelho, não me escondo. Vejo-os passar, experimento palavras em línguas diferentes, eles não repondem. Parecem irremediavelmente ocupados. E com o tempo nada muda. Só uma vontade de vingança que cresce. E eu não sei o que fazer. Se me vingo ou se me deixo assustar.

4.5.11

don't panic

Deixa-me ver o teu corpo estendido na cama daqui de tão longe que eu estou. Temos a Europa e um mar inteiro a empatar-nos. Baixa as armas. Eu só te quero olhar.

1.5.11

A distância daqui ao quarto é muito curta. Tão curta que pressinto que vais adormecer. Mas entram-nos pela casa e tiram-te o sono. E apagam-me o cigarro. É como se a polícia nos viesse roubar o último instante de preguiça. Eu já me vejo a levantar e a deitar-me ao teu lado, só para não prestar mais declarações.

25.4.11

judas

Entrego-te os lábios como dois documentos copiados à pressa. Praticamente iguais. E se os beijos nascem no pescoço como um esforço industrial não é por que eu queira.
Traduzo-te o formulário automaticamente e desisto antes do terceiro parágrafo. Levo as mãos aos olhos como se estivesse cansado, mas acabei de acordar. Deixo-me afundar na almofada como uma secretária dos anos setenta. Levo as mãos ao peito e não encontro o meu nome. Tu não percebes ou talvez percebas, mas tenho uma malha nos collants e não me posso sequer levantar para ir à casa de banho. Vou ficar na cama até terminar o meu turno e tu - chefe exemplar - vais-me desculpar a preguiça, vais-me pedir mais beijos em cadeia. Nada disto seria importante se não estivéssemos tão perto do final do mês.

23.4.11

suburbs

Eu fumo enquanto tu trabalhas. Cigarro atrás de cigarro. Imagino-te a bandeja em equilíbrio na mão direita e o sorriso assimétrico. Teclo todas as coisas que me vêm à cabeça e levo outro cigarro à boca. Encurto o tempo enquanto tu trabalhas e não te preparo o jantar. Ainda conto receber-te um dia em casa com pompa e circunstância, mas tenho preguiça. Esperar por ti enquanto trabalhas dá-me tanta preguiça que quando tu chegas só te sei esperar. As minhas pernas balançam, a mesa treme, a orquídea ressente-se. O cortinado queimado por outro cigarro involuntário quase não se mexe. Espero que nunca repares no buraco do cortinado. De qualquer modo, hás-de estar ocupado com o teu trabalho e eu com a minha dignidade. Já sei controlar a ansiedade dos últimos minutos antes da hora certa. Deixo-me estar como aquelas pessoas que sabem mesmo deixar-se estar e fico mais calmo. E quando tu chegas vês-me quase morto. Só eu sei que se passaram tantas coisas enquanto tu trabalhavas.

28.1.11

only girl

Vê-se uma floresta. E raios de sol a passar entre as folhas das árvores. E vê-se uma cena de morte programada. Um crime bem pensado no meio da floresta. Depois os gigantes chegam e o plano é suspenso.